Pensando melhor, todas as relações da sua vida tinham tido uma pitada de estranheza, um desfasamento que, por ser latente, se manifestava amiúde e nos momentos mais inesperados. É óbvio que esses momentos foram e ainda são pontos de viragem, de introspecção, momentos tontos e de espanto. A Rita era, sem dúvida, a pessoa que mais se irritava com as suas “ausências”, talvez porque isso, para além de lhe parecer um afastamento imposto, lhe trouxesse uma insegurança da qual não conseguia escapar. Que foi? perguntava ela, sabendo de antemão que a resposta seria: Nada! Nos primeiros meses da sua estadia lá em casa, ainda insistia com ele, fazendo uso da arte de interrogar - apanágio desses seres obtusamente desconcertantes - perguntando sempre o mesmo mas utilizando diferentes vocábulos: Passa-se alguma coisa? Estás bem? Há algum problema? ou ainda Em que estás a pensar? A resposta era invariavelmente a mesma: Nada ou Está tudo bem. Ele não tinha a noção do mal que isso lhe causava, a ela e ao relacionamento entre eles. Tanto que, quando ela se cansou de não perceber se habitava no coração dele, apenas lhe disse Vou-me embora! Ele perguntou-lhe o porquê e ela respondeu Por nada. Ele até quis não compreender a razão que a levava a tomar tal atitude, mas ter a consciência das coisas é como atravessar uma fronteira que imediatamente desaparece. Ele chorou, a um metro da janela, imaginando que para ela Rita lançaria um último olhar. Nunca voltaria a sentir-se tão cobarde, como se sentiu naquele momento.
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