A visita da jiboia Anaconda
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A visita da jiboia Anaconda



Não que aqui seja muito meio do mato. Na verdade estamos em área até bastante urbanizada, a apenas 3 km do centro da cidade e com pista de asfalto no portão (nem é porteira). Mas como as propriedades do entorno são todas de produção rural, a paisagem ora é milho, ora é soja. Às vezes feno ou trigo, também. E a fauna silvestre que mora por aqui é a que ainda consegue conviver com essas culturas e se alimenta direta ou indiretamente delas. Dos bichos que andam no chão tem siriema, saracura, teiú, cobra...

Era um sábado, e nós estávamos nos preparando pra receber um grupo de ingleses que vinha conhecer a produção de árvores nativas. Aproveitamos a sombra da enorme lichia e arrumamos uma bonita mesa de lanche com sucos coloridos, biscoitinhos de coco, bolo de fubá e arranjo de flores, tudo bem caprichado. Já era quase hora do ônibus chegar com os turistas quando um vizinho parou na pista aqui em frente, ergueu a cabeça por cima da cerca viva e gritou pessoal, vocês vão receber visita!

A primeira coisa que passou pela cabeça foi que em cidade pequena todo mundo sabe tudo, mesmo. Mas e daí que a gente vai receber visita? Isso lá é motivo pra vizinho assuntar por cima da cerca alta, gritando da rua?

Só que ele insistiu e gritou de novo: pessoal, visita!

É que ela vinha chegando. Um pouco menos comprida que um ônibus de turistas, mas serpenteava pelo chão atravessando o asfalto, decidida a entrar aqui. O vizinho vinha passando de carro, reduziu pra não passar por cima dela e sabiamente parou para protegê-la de outros carros e avisar os anfitriões, porque afinal de contas é sempre bom saber que se tem uma hóspede de um metro e meio de comprimento em casa, principalmente em dia de lanchinho para turistas europeus.


Nessa hora bateu um nervoso. Não exatamente pela jiboia, linda, brilhante, o centro do corpo grosso como um abacate, mas porque tudo sempre acontece ao mesmo tempo. E aí, o que fazer?

Mas de novata aqui só tem eu. Flop já passou por isso umas quatro ou cinco vezes nos últimos 30 anos e logo cantou a jogada: você fica aqui vigiando onde ela vai que eu vou buscar um saco e um balde. A gente coloca ela no saco, o saco no balde, tampa, e quando os ingleses forem embora soltamos ela numa matinha perto daqui.

Passei uns minutos ali, olhando aquele bicho bonito andar jardim a dentro. Não deu medo, não. Ela é muito calma, passeia como se a vida fosse só aquilo mesmo: a grama, o sol quentinho, um jardim bonito, uma mesa de lanche...

Veio um saco grande (de farinha da marca Anaconda), um balde de 200 litros, uma pá e uma chapa de metal. Devo dizer que duvidei que ela entraria no saco. A troco de quê? Mas quando a cobra se vê com duas criaturas em volta olhando pra ela, uma chapa de metal de um lado, uma pá do outro e um saco aberto na frente, tipo caverna, acho que pensa que talvez seja melhor se esconder.

Ela colocou a linguinha pra fora, sentindo o cheiro da caverna, e foi entrando. Simples assim.




Foi até o fundo, se enrolou lá dentro com requintes de flexibilidade e relaxou.

Depois de quinze minutos chegaram os ingleses, que conheceram o viveiro, passaram (sem saber) diversas vezes ao lado da cobra ensacada dentro do balde, tomaram lanchinho, bateram muito papo e foram embora elogiando o sítio e nossa simpatia e hospitalidade. Talvez consigam desfazer, mundo a fora, as velhas histórias de que no Brasil a gente é selvagem, anda de canoa, tem cobras em casa...

O dia terminou numa mata junto a um pequeno rio, com a cerimônia de soltura da jiboia batizada de Anaconda. De início ela nem quis sair, mas depois de uns minutos e de uma chacoalhadinha no saco de farinha, pôs a cabeça pra fora, cheirou outra vez com a língua e percebeu a mata. Daí foi.




Logo nos primeiros metros de vegetação densa virou à esquerda e encontrou uma árvore. Depois de um dia diferente, de asfalto, grama, saco de farinha, balde e viagem de carro, Anaconda achou que seria bonito ver o pôr do sol do alto. E subiu.







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