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De onde você é???
De onde você é?
Ao conhecer uma nova pessoa, entre as apresentações de praxe, está a referência a seu local de origem. De onde você é? De onde você vem? Onde nasceu? Onde mora? Onde trabalha? Seguindo nossa orientação social respondemos com o nome de uma cidade, estado, região ou país. Experimente você responder: de onde você é? Cantagalo? Cordeiro? Macuco? Bom Jardim? Nova Friburgo? Qualquer que seja a resposta, ela confirma que pertencemos a territórios social e politicamente demarcados de formas distintas, e isso não é questionável.
Mas e se mudarmos nossa orientação de social para ambiental? Embora sejamos “povos modernos socialmente estruturados em unidades politicamente organizadas, como as cidades”, estamos inseridos em uma ambiente natural. E estar inserido em um ambiente natural significa interagir com o mesmo, integrando-se às intricadas relações e leis biológicas que os estrutura e rege. E então? De onde você é? Em qual ambiente natural você está mergulhado? Em qual ambiente você é peça integrante, indissociável e portanto co-reponsável por seu equilíbrio vital? Responder a estas perguntas é um passo a ser dado para que possamos reduzir o egoísmo humano que nos leva a tratar o ambiente natural como um servidor inesgotável, que só tem serventia para atender às necessidades da população humana. Viver eticamente no mundo moderno torna imperativo que reconheçamos a qual ambiente natural pertencemos - mesmo que estejamos habitando paisagens transformadas desde há muito tempo pela ocupação, exploração e deterioração humana.
É preciso olhar ao redor, enxergar através das janelas das casas, além dos muros e quintais, além dos motores que passam apressados por estradas pavimentadas ou não. É preciso retornar ao passado também. Quem aqui viveu antes de nós, de nossos pais, avós, bisavós? Em uma curta viagem no tempo, há pouco menos de 200 anos, nossa região era uma paraíso tropical, com floresta exuberante, rica biodiversidade, espécies exóticas, clima agradável e povos tradicionais, aos quais a história nos ensinou a chamar de índios. Esse paraíso constituído por uma floresta tropical pluvial era um território convidativo à ocupação e exploração. Primeiramente buscou-se ouro, depois assentaram-se colonos europeus que delimitaram propriedades, construíram vilas e cidades que receberam mais colonos, que expandiram os territórios já ocupados - dos quais os primeiros habitantes índios já haviam se afastado há muito. A terra foi cultivada com café até ser ocupada pelo gado. Aqueles que resistiram no campo, alguns ainda até hoje, foram tratando a terra conforme suas necessidades familiares, sociais e financeiras. Mais recentemente a mineração passou a explorar o calcário (habitante ainda mais antigo da região que o próprio índio já evadido), e da modernidade fez-se o cimento. E aquele paraíso tropical e exuberante, que antes verdejava os ares dessa terra, foi reduzido às restritas e diminutas áreas conservadas em algumas propriedades particulares (por real intenção de seus donos ocupantes ou por incapacidade financeira ou geográfica de sua exploração predatória). Este olhar para história nossa região, construída por nossos antepassados, não tem a intenção de culpar, ou de minimizar o valor daqueles que colonizaram esta “região de índios”. É preciso se considerar com relevância e propriedade o contexto das épocas passadas com seus próprios valores culturais e éticos. Mas é preciso repensar a história que construímos em nosso tempo e as relações que estabelecemos com o ambiente natural que ainda nos abriga, além das nossas edificações urbanas.
Olhar ao redor, conhecer o passado e tomar conhecimento do papel que nos cabe nas relações sociais e naturais são atitudes pertinentes ao homem moderno comprometido com a sobrevivência da humanidade (pensando globalmente) e com a busca da sustentabilidade da região em que habita (agindo localmente).
Na busca de nossa sustentabilidade regional há que se questionar:
- O que ainda resta da floresta tropical que recobria nossos campo?
- O que ainda resta do solo após mais de um século de exploração?
- O que ainda resta da biodiversidade da Mata Atlântica em nossa região?
- O que ainda resta de recurso hídrico não contaminado ou deteriorado pela ocupação
urbana e industrial?
- O que ainda resta de ar seguramente respirável, sem contaminações que sequer temos o
direito de investigar, porque qualquer informação nos é negada?
Na busca da nossa sustentabilidae regional é preciso responder à estas e outras inúmeras questões, sem perder a referência do passado para delinear o futuro desejado. Mesmo que não possamos recuperar integralmente a biodiversidade da Mata Atlântica que recobria nossa região há 200 anos atrás, podemos nos ocupar de preservar e recuperar suas áreas remanescentes. Podemos, ainda, ter um olhar atento à qualidade da água e do ar do qual nos servimos, e de forma mais atenta devemos nos preocupar em como devolvemos a água e ar após os utilizarmos. Nesse novo caminho será preciso fazer escolhas, mudar hábitos, assumir novos compromissos, novas posturas e colaborar ativamente em um plano de educação permanente, para que ainda tenhamos chances de habitar neste remanescente de Mata Atlântica. Caso contrário nos restará apenas um ambiente com solo empobrecido, erodido e contaminado; minas calcárias abandonadas depois de esgotadas; recursos hídricos e atmosfera saturados de agentes químicos “desconhecidos”. Os românticos exploradores de nossa terra frente a este panorama dirão: “Esse cenário é para daqui há muitos anos... Não há o que se preocupar ainda!” Os realistas apelarão: “O tempo é agora! O tempo já foi ontem! Ou nos reestruturamos ou não haverá o que mais reestruturar.”
E então: de onde você é? De onde você vem? Onde e como você e sua descendência vão continuar co-existindo?
Fabiana Figueira Corrêa
Professora de Biologia do Colégio Euclides da Cunha, Coordenadora do Projeto Cambucás – Cantagalo, RJ(Este texto foi originalmemte publicado no website www.oquevocequer.com.br)
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