Requalificar = Destruir
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Requalificar = Destruir




As duas primeiras imagens deste texto referem-se ao que está a acontecer, por estes dias, no Parque Municipal de Loulé. Podem ler mais sobre esta "requalificação" no blogue da Árvores de Portugal, num texto assinado pelo Miguel Rodrigues.



Nesse texto, tive oportunidade de escrever o seguinte comentário:

"Há aqui duas coi­sas que me cau­sam per­tur­ba­ção, a pri­meira ao nível das inten­ções por detrás deste tipo de pro­jec­tos, ditos de “requa­li­fi­ca­ção”, e a segunda, obvi­a­mente, ao nível do modo como as obras são imple­men­ta­das no terreno.

Desde logo, incomoda-me, e não con­sigo com­pre­en­der, juro que não con­sigo, esta neces­si­dade, per­ma­nente e pre­mente, de requa­li­fi­car tudo o que é jar­dim, por esse país fora. Parece que a um jar­dim, para atrair as pes­soas, já não basta ter árvo­res e som­bras. Isso é passado…Agora, ao que parece, os jar­dins têm que ser moder­nos, o que implica a cons­tru­ção de uma série de equi­pa­men­tos, tudo à conta da ampu­ta­ção do espaço para o verde.

Outra coisa que roça o sur­real é esta queixa de um jar­dim ter excesso de ensom­bra­mento! Mas que diabo é o excesso de ensom­bra­mento num jar­dim?! Não é para dar som­bra que se plan­tam as árvo­res? Não será esse o objec­tivo de um par­que, espe­ci­al­mente numa cidade com clima medi­ter­râ­nico, com cen­te­nas de horas de sol por ano?

Eu diria que o pro­blema das ruas e dos jar­dins em Por­tu­gal é pre­ci­sa­mente o oposto, ou seja, a insu­fi­ci­ên­cia de som­bras deri­vada do hábito de estar­mos per­ma­nen­te­mente a rolar as árvo­res orna­men­tais. Fruto des­sas prá­ti­cas sel­va­gens, as nos­sas árvo­res urba­nas mais não têm do que copas raquí­ti­cas, nunca che­gando a atin­gir o seu desíg­nio: maravilharem-nos com o perí­me­tro de fres­cura das suas sombras.

E o que acon­tece quando, num par­que, estas esca­pam a tão triste fim e che­gam ao seu estado adulto, com a forma que a natu­reza lhes deu? Mal­va­das que dão muita som­bra e é pre­ciso podá-las…ou resol­ver logo o pro­blema pela base e cortá-las! Excesso de ensom­bra­mento?! Não con­sigo parar de pen­sar no absurdo deste argumento.


Dublin

De repente, lembro-me dos jar­dins da Irlanda. Num país com escasso número de dias de sol, onde um dia de Agosto de céu enco­berto e 20ºC é um exce­lente dia de Verão, e penso como seria ridi­cu­la­ri­zada a ideia de se que­rer cor­tar as árvo­res dos jar­dins por excesso de ensombramento.

Lembro-me de um mag­ní­fico jar­dim no cen­tro de Dublin, com árvo­res enor­mes, com pes­soas almo­çando sobre os rel­va­dos, apro­vei­tando a escassa luz de um dia de verão irlan­dês, e nada de mini­gol­fes ou de par­ques de des­por­tos radi­cais a que­brar a paz e o sos­sego daquela pausa ves­per­tina. Que tam­bém por lá haverá par­ques de des­por­tos radi­cais ou mini­gol­fes, não duvido, mas não às cus­tas de ampu­tar espa­ços verdes.


Dublin

O único equi­pa­mento extra­va­gante que esse par­que tinha era um coreto, onde uma banda tocava perante deze­nas de pes­soas que faziam tempo, após o almoço, para regres­sa­rem ao tra­ba­lho e perante turis­tas, como eu, que se ques­ti­o­na­vam por­que tal ima­gem não seria pos­sí­vel num jar­dim português.

Existe uma qual­quer fobia que afasta uma mai­o­ria de por­tu­gue­ses dos nos­sos par­ques, um qual­quer incó­modo no con­tacto com o verde da natu­reza. É ridí­culo pensar-se que as pes­soas pas­sa­rão a fre­quen­tar um par­que por­que se cimen­tam os cami­nhos ou que se sen­ti­rão mais segu­ras com ilu­mi­na­ção cénica, por debaixo das copas das árvores.

A segu­rança cria-se com guar­das que zelem por quem fre­quenta esses jar­dins e que impeça actos de van­da­lismo; os hábi­tos de visi­tar e usu­fruir de um par­que não são fáceis de criar, mas podem-se orga­ni­zar even­tos cul­tu­rais, por exem­plo, que criem uma rotina de visita a esses espa­ços. Ou a ins­ta­la­ção de cir­cui­tos de manu­ten­ção, de baixo impacto visual, que fomen­tem a prá­tica desportiva.

E depois há todos os outros por­tu­gue­ses. Aquela mino­ria, à qual per­tenço, e à qual bas­tam as árvo­res num jar­dim; e a mai­o­ria, a qual nunca irá a um jar­dim a menos que aí esta­ci­o­nem um cen­tro comercial!

Mas há ainda o segundo lado desta ques­tão, ou seja, o modo como as obras estão a ser fei­tas. Acaso foi estu­dado o efeito que a aber­tura des­tas valas terá na saúde e, logo, na segu­rança, des­tas árvo­res? Foi feito algum estudo sobre esta maté­ria? Se sim, qual o nome da enti­dade que o exe­cu­tou e quais as suas con­clu­sões? Foram pro­pos­tas medi­das de mini­mi­za­ção para o impacto das mes­mas nas árvo­res e na paisagem?

Claro que haverá sem­pre o argu­mento que as obras tinham que ser fei­tas assim e que não podiam ser fei­tas de outra maneira. Fale­mos então de custos/benefícios.

Será que os pre­ten­sos efei­tos bené­fi­cos que esta inter­ven­ção trará ao Par­que de Loulé com­pen­sa­rão os danos cau­sa­dos? Se sim, dêem-me um exem­plo, em Por­tu­gal ou no estran­geiro, um único exem­plo, de uma inter­ven­ção em que o corte de árvo­res ou a cons­tru­ção de mini­gol­fes, tenham tor­nado um par­que mais seguro e mais visitado.

Acaso alguém ima­gina um cená­rio de guerra como este, no nova-iorquino Cen­tral Park? Alguém ima­gina os nova-iorquinos a aplau­di­rem o corte de árvo­res e a verem o seu par­que esven­trado por maqui­na­ria pesada?

O Par­que de Loulé, como a mai­o­ria dos nos­sos jar­dins mais anti­gos, pre­ci­sam de duas coi­sas muito sim­ples: jar­di­nei­ros, que os cui­dem e evi­tem a ima­gem de des­leixo cau­sada pelo cres­ci­mento de matos e infes­tan­tes, bem como a acu­mu­la­ção de lixo, e de vigi­lan­tes, que os tor­nem em locais mais segu­ros, de dia ou de noite, para quem os frequenta.

Toda a moder­nice que estas ditas “requa­li­fi­ca­ções” encer­ram não é mais do que saloi­ice pegada de quem não conhece os gran­des jar­dins e par­ques do mundo.

Excesso de ensom­bra­mento?! Francamente…"





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