Seis e vinte e nove da manhã. Acordou um minuto antes do despertador, como já se tornava rotina, tantos são os dias iguais. Cumpria escrupulosamente o horário de trabalho, embora não lhe agradasse ter de fazer aquele tipo de serviço, principalmente porque as pernas já lhe pesavam e lhe rareava a paciência para lidar com alguns dos clientes da tarde, que não sabem quando parar de beber. Trabalhar das sete e trinta até às onze e trinta da manhã e das cinco da tarde até às nove da noite era um horário que lhe agradava, porque lhe concedia algum tempo para tratar de alguns assuntos, andar pela cidade como se estivesse de férias e também para se encontrar com conhecidos e cruzar com desconhecidos. Considerava-se uma pessoa com sorte, apesar de nem o dinheiro nem os amores lhe serem totalmente favoráveis. O que se tinha passado ontem, tinha-o deixado mais perturbado do que ele imaginaria. Já há muitos meses que a sua relação com a Luísa tinha acabado, mas ela suplicava-lhe que não a deixasse porque tudo se resolveria. O facto de ela morar a algumas centenas de metros do Tágides, tornava tudo mais complicado. Ele via-a quase todos os dias, porque ela não conseguia evitar por ali passar e olhar e parar, até que tivesse a certeza de por ele ter sido vista. Ontem, após a vigésima tentativa de terminar a relação entre os dois, ao sair lá de casa e enquanto descia as escadas, ouviu dela um único grito, que simultaneamente era também um lamento e temeu pela loucura dela, que desavergonhadamente se anunciava.
Quando saiu para a rua, mesmo em frente à porta, do outro lado da estrada, estava um tipo a fotografar o prédio. Olhou melhor e pareceu-lhe reconhecer aquele rosto, mas seguiu em frente. Tinha pedido ao patrão que o deixasse chegar um pouco mais tarde, porque tinha alguns problemas pessoais para resolver, mas não queria abusar, porque quem usa e abusa... não usa mais! Uns dez minutos depois de ter chegado ao Tágides, chegou também o fulano que tinha estado a fotografar o prédio. É isso, pensou, afinal é daqui que o conheço. Já há muito tempo que aquele cliente frequentava a esplanada e não fora a situação emocionalmente desgastante que acabara de acontecer, tê-lo-ia reconhecido imediatamente. Sentava-se quase sempre à mesma mesa e pedia sempre um café e uma água ou, com menos frequência, apenas um martini. Na maioria das vezes tem como sua única companhia um caderno, no qual escreve frases soltas. Que fará este tipo? Pensava ele, entre os pedidos da mesa 2, da 8 e da 15. “Sai um croissant sem creme e um Ice Tea!!” Já tinham trocado alguns olhares, mas eram olhares de cumprimento, perfeitamente naturais entre quem frequenta o mesmo local, durante um certo período de tempo. José era um tipo observador e um homem do caderno também. Ele sabia que existe uma condição universal que nos remete para um lugar concreto: Nós somos apenas e sempre mais um outro, no mundo dos outros.
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