A minha montanha e a dos outros
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A minha montanha e a dos outros


Aproveitando que hoje, dia 11 de Dezembro, se comemora o Dia Internacional das Montanhas, decidi publicar (com algumas alterações) um comentário que deixei num texto do Cântaro Zangado (que por sinal, com 2 aninhos, está de parabéns!):


Somiedo, Astúrias (Espanha), Agosto de 2007



Valle del Lago é uma aldeia de montanha nas Astúrias; é mesmo uma "aldeia de montanha", não foi criada por decreto, por cartaz (tipo outdoor) ou por "acto consumado" (entenda-se, por resultado de ocupação ilegal do território).


Em Valle del Lago quase toda a gente vive do turismo; aproveitaram a elevação de Somiedo a Parque Natural e os respectivos fundos comunitários para recuperar as casas de modo a receber turistas (mantendo a arquitectura tradicional das Astúrias, sem imitar a arquitectura nórdica!). Estas casas estão grande parte do ano ocupadas por pessoas que aí passam alguns dias aproveitando para fazer caminhadas e outras actividades.

Por exemplo, a dona da casa onde fiquei hospedado, tem ainda um outro negócio de passeios a cavalo. Os turistas deixam dinheiro que é repartido por grande parte da comunidade, fazem compras no comércio tradicional, compram produtos locais (como a sidra, por exemplo). Acresce que este tipo de turismo de Natureza está em crescimento e que este tipo de turistas têm um poder de compra frequentemente acima da média (e que apreciam os produtos locais).


E isto acontece porque a montanha não foi rasgada por estradas, ou seja, não convida ao turismo de passagem. Os turistas, se querem conhecer a região, têm que passear a pé ou a cavalo, por exemplo; têm que pernoitar e, como ficam mais do que um dia, acabam por movimentar o pequeno comércio local. Porque não há estradas que os levem a todo o lado, não se convida as pessoas a tudo verem num só dia e abalarem, sem sequer sair do carro. Se calhar eles é que estão errados!...



Isto é turismo sustentável; turismo sem enchentes, como deve ser em áreas sensíveis de montanha, ainda para mais sendo Parque Natural e Reserva da Biosfera (tal e qual como uma determinada serra do Centro de Portugal). Toda a gente está feliz com a criação do Parque que melhorou o nível de vida das pessoas, permitiu a criação de novos negócios, ao mesmo tempo que não afectou a conservação da Natureza.

Em Somiedo não existem monopólios turísticos de nenhuma empresa; não há skiparques, bungalows nórdicos, projectos de casinos ou de campos de golfe nos vales (entenda-se, em leitos de cheia...).



Era assim que eu gostava que fosse o turismo na Serra da Estrela; que criasse riqueza, emprego e permitisse fixar as pessoas na região, ao mesmo tempo que garantisse a preservação da Natureza da Estrela: a sua maior riqueza! Em vez disso, temos os monopólios que se conhecem e um turismo cada vez mais massificado, que insiste em rasgar a Serra com cada vez mais estradas.

Isto, aliado a novas vias como a A23 e a A25, faz com que aumente o número de turistas que visitam a Serra da Estrela; mas são turistas que, na sua esmagadora maioria, regressam a casa no próprio dia; não dormem na hotelaria, nem comem nos restaurantes locais. Sim, eu sei que por estes dias, entenda-se Natal, Passagem de Ano e Carnaval, as unidades hoteleiras da região registam enchentes, mas essa porção de turistas corresponde a uma fracção ínfima dos que passam pela Serra da Estrela. E, literalmente, limitam-se a passar!....


Pelo contrário, estes turistas abandonam todo o tipo de lixo e porcaria à sua passagem. Ir à Torre, num daqueles fins-de-semana de início de Primavera, com engarrafamentos monumentais e gente a deitar lixo para todo o lado, pode ser das experiências mais deprimentes que se podem ver no nosso país.

Aproxima-nos culturalmente do 3º Mundo e, não fora ser tão frequente igualmente noutras zonas do país, poderia até ser vendido como pacote turístico: "Torre, PNSerra da Estrela, onde vive a porcaria e a falta de civismo"!


Este turismo de "saco de plástico" é fomentado por todos aqueles que insistem em defender mais e mais estradas e obras perfeitamente megalómanas, como a de ampliar estâncias de esqui a 1900m de altitude no Sul da Europa! Esqueçam o Sr. Bush, na Serra da Estrela vivem os verdadeiros cépticos do aquecimento global!


De volta a Valle de Lago...enquanto bebia um copo de sidra num dos cafés da aldeia, o dono dizia que aquando da criação do PNatural de Somiedo a única coisa que os habitantes locais pediram foi que não asfaltasssem a estrada até aos lagos; tinham medo que isso transformasse os lagos numa lixeira...e assim se fez a vontade das gentes locais, só sobe aos lagos quem gosta de andar a pé, que são os mesmos que "dormem" na aldeia, ou seja, fazem mover a economia local. Dei comigo a pensar que aquele ancião, ainda que provavelmente nunca tendo ido à escola, sabia mais de turismo do que muitos dos que mandam na minha Serra da Estrela. Juro que tive uma vontade genuína de chorar, não tanto pelo estado a que deixámos chegar a nossa Serra mas mais por ainda não termos aprendido nenhuma lição. Nem daqui a 10 anos teremos este tipo de mentalidade...



Longe de mim querer transmitir uma ideia de que tudo em Espanha é perfeito e que tudo em Portugal está errado. Antes pelo contrário!...

Mas, por comparação com o tipo de turismo que se pratica nas zonas de montanha nas Astúrias, por cá estamos ainda na Idade da Pedra da educação ambiental e do turismo sustentável. Por cá, prefere vender-se a ideia de que os ambientalistas querem fazer da Serra da Estrela uma reserva de índios e que estão contra o turismo. Não, a vida não se limita a extremismos, a 8 ou 80. Não estamos contra o turismo, estamos contra o turismo que blogues como o Cântaro Zangado, por exemplo, tantas e tantas vezes denuncia nas suas contradições.



E estamos também contra a ideia que se quer transmitir que o Parque Natural da Serra da Estrela e a conservação da Natureza são os responsáveis pelos grandes males da serra: os incêndios florestais, as construções ilegais, o trânsito desordenado e caótico, os mamarrachos abandonados, o ex-sanatório enguiçado, o lixo por todo o lado ou os esgotos que correm a céu aberto. Na Serra da Estrela, mais depressa se esbarra numa barraca de zinco do que num exemplo concreto de conservação da Natureza.


É triste mas é verdade. Mas não terá que ser sempre assim, pois não?!....


P.S. - Neste dia, não poderia deixar de recomendar esta fotografia.




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