Silly season III
Plantas

Silly season III


Notícia bombástica do jornal O Interior: ar puro da Guarda em risco.

Culpados: poluição causada pelo tráfego automóvel, pelas indústrias? Concentrações anormalmente altas de ozono? Não...as culpadas do costume, ou seja, as árvores!


Vejamos algumas passagens da dita notícia:

- "A qualidade do ar que se respira na Guarda pode estar em perigo. O alerta foi lançado por Crespo de Carvalho, um dos membros fundadores da Guard’Ar – Associação para a Promoção do Ambiente e Saúde do Concelho da Guarda, que admite que a certificação do ar pode estar «em risco» devido à plantação de bétulas nalgumas zonas da cidade" (...)
"a associação recomendou que não deveriam ser plantadas árvores como «plátanos, bétulas, freixos, salgueiros, choupos e todas aquelas que pertencessem ao grupo dos herbáceos», recorda Crespo de Carvalho. No entanto, a Guard’Ar constatou que, durante as obras do programa Polis, foram plantadas bétulas junto à Sé Catedral e na Avenida do Antigo Quartel de Bombeiros. «Trata-se de uma das espécies que vai anular a certificação do ar da Guarda», avisa o responsável."
" (...)Crespo de Carvalho explica ainda que todos os fenómenos de polinização podem adulterar «de forma significativa» a qualidade do ar, sendo que esse é um dos fenómenos produzidos pelas bétulas, pelo que «as pessoas com alergias respiratórias terão que evitar essas zonas», adverte".

Leram bem: as bétulas irão ser as responsáveis pela degradação da qualidade do ar da Guarda!

Este caso lembra um outro, passado em Coimbra, e de aqui dei nota em Maio passado - ler aqui. A propósito desse caso, deixo uma passagem da notícia do Diário de Coimbra que suscitou o texto que então escrevi: " O parecer emitido então pela Provedoria do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana de Coimbra, a que estavam anexados outros dois, de Jorge Paiva, do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, e de Ana Todo Bom, presidente cessante da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia, comprovava que as causas das alergias não estavam apenas na libertação de pólen, frutos e sementes pelas plantas e que, apesar de se assistir a «um aumento das reacções alérgicas», era «a poluição resultante do tráfego automóvel que exponenciava» este mesmo efeito alérgico."

A Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia (SPAIC) tem que, de uma vez por todas, esclarecer este tipo de situações porque não podemos continuar a sentar as árvores no banco dos réus. É certo que o pólen das árvores também provoca alergias...significa isso que deveremos abater (ou não plantar) todas as árvores com pólens alergisantes?
Vamos então socorrer-nos da lista das árvores que fazem parte da lista de famílias polínicas alergisantes em Portugal (informação constante dos mapas polínicos da SPAIC), para saber quais as que deveremos eliminar: áceres, bétulas, ciprestes, carvalhos (inclui azinheiras e sobreiros), castanheiros-da-índia, nogueiras, oliveiras, pinheiros, cedros, plátanos, teixos, tílias, ulmeiros, salgueiros e choupos.

Bom, não são muitas, pois não? Portanto, vamos ver se nos entendemos, se arrancarmos estas árvores das nossas cidades e campos, deixaremos de ter alergias. Brilhante! Passaremos a viver num deserto...mas sem alergias.

Mais há mais...peguemos no caso dos salgueiros. Segundo a SPAIC a alergenicidade dos salgueiros é baixa; já a alergenicidade das gramíneas (cevada, centeio, aveia, milho, trigo, etc.) é elevada. Deveremos então, em função destes dados, deixar de plantar cereais? Por mim tudo bem, desde que o caro leitor não se incomode por deixar de comer pão, massas e bolachas.

Mas eu não fui buscar o salgueiro por acaso; é que, tal como os choupos, estas árvores são alvo frequente da fúria popular, não pelo pólen que produzem, mas pelos filamentos semelhantes a algodão que libertam e que servem de transporte às sementes. É a suposta alergenicidade destes filamentos que a SPAIC tem que provar ou desmistificar de uma vez por todas, para que tal não sirva de desculpa a muitas das podas que se fazem nas cidades. E o mesmo se poderia dizer de outras espécies, como os sempre sacrificados plátanos.

As árvores melhoram o microclima das cidades (diminuindo o chamado efeito ilha de calor, com consequências positivas no consumo de energia); diminuem o teor de CO2 e de outros poluentes atmosféricos e renovam o teor em oxigénio; criam micro-habitats para numerosos seres vivos; ajudam à infiltração das águas pluviais; etc, etc.

Querer sentar as árvores no banco dos réus no que toca à origem de problemas respiratórios é simplesmente ridículo, mas reafirmo o que escrevi alguns parágrafos atrás, ou seja, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia (SPAIC) tem a obrigação moral de esclarecer de um ponto de vista científico muitas destas questões, para que as alergias não continuem a ser um motivo para os portugueses odiarem as árvores.




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