Sobre ovos (não os de Páscoa)
Plantas

Sobre ovos (não os de Páscoa)


O menorzinho deve ser de Bico-de-Lacre (Estrilda astrild), e o maior é de galinha,
só como referência de tamanho

Quando era criança eu achava lindo ter coleção de alguma coisa. Muitas das minhas amigas colecionavam bichinhos de pelúcia e perfumes (as que já se achavam muito adolescentes), mas como nunca gostei de nada disso tentei colecionar selos, papeis de carta, canetinhas coloridas e outras coisinhas de menina.

Nenhuma das coleções foi pra frente, provavelmente porque eu ainda não sabia o mais importante: não basta achar bonito colecionar, é fundamental gostar do que se está colecionando. Você pode até não saber porque gosta, mas gosta muito.

Isso eu descobri há pouco tempo, quando comecei a juntar casquinhas de ovos de passarinho (e ninhos, mas fica para um outro post). No início nem pensei em colecionar, e acho que é assim que se começa de verdade. Eu pegava pra mim simplesmente porque não conseguia não pegar; achava bonito, curioso, interessante. Quando me dei conta já precisava de uma caixa para guardar minhas casquinhas, e depois de uma caixa um pouco maior, e assim foi indo. Hoje é oficial e já posso espalhar por ai: eu coleciono ovos de passarinho.


Desde o início da primavera minha coleção tem aumentado bastante. Andando pelo sítio encontrei ovos inteiros caídos do ninho, pedaços de casquinhas quebrados - alguns com jeito de acidente, outros de nascimento -, ninhos inteiros no chão com ovos recém postos já abandonados e até passarinhos recém-nascidos mortos ou agonizantes. É que bem na época de postura acontecem também as grandes tempestades, que frequentemente destroem até os ninhos mais caprichados.

Diversas vezes lamentei os ovos que não vingaram, os ninhos desmanchados pela água e os passarinhos encontrados mortos. Nas vezes em que encontrei filhotes no chão, sem ninho por perto, tentei salvá-los mas nunca consegui. E assim aprendi que é ingenuidade minha achar que todos os que nascem devem viver.

Observando todo esse movimento de nasce e morre percebi que a natureza funciona com uma perda já contabilizada, que provavelmente existe para mantê-la em equilíbrio. Quero dizer que aves produzem ovos e filhotes muitas vezes apenas para alimentar seus predadores. É comum na vida de um casal botar seus ovos, cuidar deles por alguns dias e depois perdê-los para um gambá ou uma cobra. Também acontece de criarem seus filhotes por apenas algumas semanas e perdê-los para um gato (doméstico ou selvagem) ou simplesmente para o vento, que derruba o ninho deixando os pequenos morrerem no chão.

O mesmo acontece com as ninhadas de todas as outras espécies e também acontecia com os seres humanos antes de inventarem incubadoras e UTIs. Era "normal" na história das mulheres de antigamente perder bebês ainda na barriga ou logo depois do nascimento. Ou mesmo já crescidinhos. Partos davam errado, bebês adoeciam com gravidade, crianças morriam afogadas brincando no rio e em um número muito maior de acidentes do que acontece atualmente.

Hoje a tecnologia e a precaução nos protegem e muitas vezes nos salvam, mas a natureza ainda funciona no seu ritmo e segundo sua própria lógica. Um ninho mal construído num mês de muitas chuvas fatalmente não suportará seus ovos, e assim os bichos do chão terão o que comer. Um passarinho que se agite demais no ninho antes de estar apto a voar fatalmente cairá lá do alto, servindo de alimento a alguém.

Muitas vezes ainda tento evitar, mas o que tem que ser sempre é. Aqui, outro dia, Herr Otto observava concentrado um regador vazio.


Lá dentro encontrei um micro ser todo molhado, provavelmente um filhote de rolinha. Mas o que um filhote de rolinha faz dentro de um regador?



Só a natureza pode responder. Não havia ninho por perto e eu ainda tentei salvá-lo, mas como os outros "suicidas" que resgatei ele acabou morrendo depois de alguns dias internado. Teria morrido de qualquer maneira, na boca de um cachorro, gato ou lagarto daqui.


Resta entender que tudo tem seu ciclo e colecionar as embalagens, aproveitando pra aprender com elas. É fácil reconhecer um ovo de onde não nasceu ninguém. As partes quebradas normalmente são pequenas ou grandes demais, e as bordas e rachaduras são irregulares. O ovo pode ter quebrado ao cair no chão ou ter sido bicado por outra ave. Sim, existem aves que comem aves e seus ovos.


A casca que sobra quando nasce um passarinho tem nas bordas um corte regular feito pela serrinha que os filhotes têm sobre o bico. A gente nitidamente percebe que aquilo foi feito por alguém, não é uma casca quebrado ao acaso.



Minha última aquisição foi um ovo de anu-branco. Na verdade foi um presente do vizinho produtor de gérberas, que divide comigo a curtição por aves. É o ovo mais curioso que tenho até agora, pela coloração verde-azulada e pelo relevo branco feito de cálcio. Ele encontrou o ovo caído no chão e me trouxe de presente, sugerindo que eu fizesse um furinho em cada ponta e assoprasse um deles, para expulsar pelo outro a clara e a gema. É assim que se esvazia um ovo quando se quer guardar a casca inteira.

Confesso que senti uma sensação esquisita de pensar que poderia ter um começo de passarinho ali dentro, mas depois de olhar bastante o ovo contra uma lanterna forte cheguei à conclusão de que ainda não estava chocado. Lá dentro só consegui ver uma mancha escura parecida com gema, então tomei coragem e assoprei. Valeu a pena. Depois de bem enxaguado e seco no sol sobrou a casca inteirinha, figurinha carimbada na minha coleção.


E como um bônus ainda descobri, pesquisando no Wikiaves, que o anu-branco (Guira guira) é essencialmente carnívoro e se alimenta de gafanhotos, percevejos, aranhas e lagartas peludas e urticantes. Virou pet, minha ave de estimação.

Anu-branco - Foto de Luiz Felipe R. Valentini





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