Plantas
Vozes que não se resignam
O João Vaz, autor do blogue O Ambiente na Figueira da Foz, é uma das vozes que não se resigna à fatalidade das "podas camarárias" que, periodicamente, mutilam o património arbóreo das nossas localidades.
O João sugeriu-me que se criasse um documento que sintetizasse os argumentos técnicos que tornam estas podas desajustadas, de modo a que o mesmo pudesse ser enviado, de forma sistematizada, por qualquer cidadão.
Concordei com o João nas vantagens inerentes à criação desse documento e sugeri que, por uma questão de credibilidade científica, o mesmo fosse redigido e divulgado pela Sociedade Portuguesa de Arboricultura. Desta forma, ambos escrevemos à referida sociedade dando conta da nossa solicitação e dos argumentos que a fundamentam.
No entretanto, resta-nos continuar a divulgar estes atentados contra o património natural colectivo de todos os portugueses, através dos jornais, da blogosfera ou enviando directamente esses protestos, na forma escrita, para os respectivos órgãos autárquicos.
Termino com a divulgação de algumas fotografias que o João tem tirado em várias localidades da Beira Litoral, mostrando a irracionalidade destas práticas. Por último, deixo um "modelo de carta", de autoria do João, e que poderá ser utilizado por qualquer leitor que se queira dirigir à sua autarquia, mostrando a sua indignação e repulsa pela destruição das árvores da sua terra.
Porque há sempre alguém que resiste e que não se resigna....
Aveiro (fotografia de João Vaz) Mira (fotografia de João Vaz)"
Exmo. Sr. Presidente XXX da Junta de Freguesia de XXX (ou Câmara Municipal de XXX)
Nos últimos anos temos sido confrontados com a chamada "poda camarária" de árvores ornamentais na nossa freguesia. Apesar da "boa vontade" destas podas, as árvores ficam enfraquecidas, desfiguradas e mais vulneráveis pelos cortes a que são sujeitas.
Nenhum argumento técnico, muito menos estético, justifica este mau hábito. Pelo contrário, o corte da maior parte da copa, ramos incluídos, priva a árvore das suas reservas nutritivas, acumuladas no Verão anterior, e que lhe permitiriam iniciar novo período vegetativo na Primavera seguinte.
As árvores "podadas" rebentam mais tarde que as "não podadas", com muita dificuldade e produzindo ramos enfezados e deformados. Outro efeito pernicioso da "poda" é a morte de parte das raízes que levavam água e nutrientes minerais para os ramos decepados e deles recebiam, por sua vez, açúcares elaborados pelas folhas. Em consequência, reduz-se a base de sustentação da árvore, que pode cair mais facilmente, sobretudo durante os temporais.
Pelos cortes extensos abertos por esta prática, entram inúmeros fungos causadores de doenças da madeira, que acabam por enfraquecer e matar as árvores.
Assim, apelamos a que a Junta de Freguesia (ou Câmara Municipal) tome medidas urgentes para melhorar esta situação:
• Terminar com a chamada “ poda camarária”; o tempo e o trabalho das pessoas empregues nestas práticas deve ser utilizado com maior proveito na plantação de novas árvores e no tratamento adequado das que já existem.
Qualquer operação de corte deve limitar-se à retirada de ramos secos ou tocos de ramos quebrados por qualquer acidente, que eventualmente possam tocar em fios eléctricos ou noutras situações a definir criteriosamente.
• O respeito pela forma natural das árvores, que lhe foi dada pela Natureza em milhões de anos de evolução e selecção natural. É necessário plantar árvores sãs e sem cortes na sua copa original e deixá-las crescer, cuidando apenas de as alimentar e amparar, sobretudo enquanto jovens.
• Promover a educação ambiental e o respeito pela árvore, ser vivo complexo e admirável, que não temos nenhum direito de destruir. Lembramos, por exemplo, que um dos objectivos traçados pelo Ministério da Educação para o ensino básico é a educação ambiental.
Como poderemos promover a educação ambiental, tendo em conta o apoio que a comunidade deve dar à Escola, se continuamos a dar este tratamento às árvores que existem à nossa volta?
• A plantação de espécies adequadas a cada situação e a cada local.
• Diversificação das espécies dos nossos jardins e ruas, utilizando árvores e arbustos, sobretudo da nossa flora nacional e local, melhor adaptadas ao meio.
Plantar árvores de fruto, como nogueiras, castanheiros ou até variedades regionais de figueira, laranjeira e macieira, por exemplo.
Por fim, terminamos com uma frase de um perito na matéria, o arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro-Telles:«Se não há espaço para a árvore é preferível plantar só o arbusto, ou mesmo só a flor e não contar depois com a tesoura para manter com proporções de criança o gigante que se escolheu impensadamente.» in A Árvore em Portugal de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles (Assírio & Alvim, 1999. 2ª ed.) p. 161." João Vaz
Montemor-o-Velho (fotografia de João Vaz)
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