"Mais uma tarde sem jeito nenhum" - VI
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"Mais uma tarde sem jeito nenhum" - VI




afternoon

Eu preciso de arejar, foi o que ele pensou. Juntou numa pequena mochila, um bloco de notas, um lápis e uma pequena máquina fotográfica digital, que a Rita lá tinha esquecido em casa e naquela tarde as velhas escadas de madeira, outrora envernizadas, pareceram-lhe um túnel, um corredor que lhe daria acesso a uma garantida sensação de liberdade ou então ao Hades. Mesmo assim, estava absolutamente decidido a correr esse risco.
O tempo da autocomiseração que, para além de constituir um sofrível leitmotiv para os seus “ensaios” e que tantas vezes lhe serviu de desculpa para uma certa letargia, tinha os dias contados, pensou ele alto ou talvez o tenha dito baixinho, não interessa. O que interessa é que saía consciente de que naquele momento levava também consigo a sua circunstância, essa carga inalienável, déspota, imponderável, transparência de aço, sombra maior do que ele próprio.
Já à porta do prédio, virou à direita, não por alguma razão especial, mas por puro hábito e seguiu em frente como se soubesse plenamente para onde ia.
A tarde já tinha atingido a sua maturidade há algumas horas. Era o seu favorito período do dia, principalmente durante o Verão, quando uma certa cor de açafrão desce sobre os telhados e pelas paredes, anunciando que tudo tem um fim, os males que nos afligem e até as coisas boas que nos acontecem.
Antes que a noite fosse dona e senhora de todos os habitantes da cidade, resolveu voltar para casa. Nessa noite dormiu pouco e, bem cedo, desceu as mesmas escadas, que lhe pareceram diferentes. Sentia-se mais leve, mas não tinha tocado na mochila. Seria a sua sombra?




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